segunda-feira, 6 de abril de 2015

Olho Nos Olhos

Qualquer dia desses eu viro mulher, e me torno o que penso ser uma mulher.
Totalmente solta dos valores introjetados na minha parte masculina eu serei. Totalmente pena que flutua, descansando na densidão deste mar obscuro.
Pelo menos esta roupa já não me cabe mais, e agora me asfixia tanto marchar. Quero ser mulher logo de uma vez, pra abandonar machado e riqueza. Quero ser mulher pra girar na minha ordem florida de mundo, jeito fantástico de vê-lo. (Qualquer uma que responda, pode me contestar. Existe mulher assim e assado, de tudo quanto é jeito e forma. Mas é que em minha vida, só as mulheres me libertaram. E estas mulheres tornaram-se referência máxima de oposição à minha rigidez. Portanto, não digo que as mulheres são, mas que minha, e somente minha mulher, é). É o que?
Descanso. Aflição sim, mas descanso, porque aflição passa.
Já este homem que escreve no momento, nem descansa e nem está aflito. Somente é vigiado com os olhos vermelhos de raiva: vai pra lá! Arruma isso! Faz aquilo!
Nunca está bom o suficiente, porque não há suficiente. Esta luta constante pelo topo me desaba.
Me deixa desabafar, vai. Me deixa chorar, cansar de tantos tantos.
Qualquer dia desse, eu viro mulher. Aí a inveja se dissipa, porque não quero mais ser centro ou estar a frente. Simplesmente admirarei, calma, a boniteza de falar errado. Não há mais métricas ou hierarquias...
Serei frágil? De forma alguma.
Eu agora é que estou frágil, nesta roupa de homem. Aqui, me vasculho por inteiro, e ando imponente pra mostrar força mas só se for pra mim...
Serei forte quando mulher, isso sim. Forte porque a fortaleza agora é interior. Não serei satisfação para fora e nem para dentro. Não haverá vigias!
Tão somente a terra andará pela dor e felicidade, e não mais, pelo pódio.
Mas a vida será cor de rosa como o texto soa?
Não. Será preta, roxa, marrom, cinza e azul escura também. Porque ao mesmo tempo em que o vigilante me segura pelos braços e me guia adiante, impiedoso, a ausência dele significa caminhar com as próprias pernas, e finalmente, senti-las por completo. Seus passos, lesões e dores. Angústia não será dívida, paga, pronto e ponto final, mas tempestade que assusta pássaro e mesmo leão. Será também um abismo esta outra vida
Qualquer dia desses, eu viro mulher, aprendo logo a chorar, e me reconstruo. Porque nesta roupa de homem... Eu também desabo, mas me levanto na mesma proporção de antes: apenas criança que ouve um não, teimosa.
Já a minha mulher, cresceu porque nadou. Saiu do raso, foi a fundo, ressurgiu do fundo.
Talvez eu esteja sendo ingrato com meu homem. Entretanto, agora é assim: ou viro minha mulher, ou aprendo um novo modo de ser homem. Porque do jeito que as coisas andam, não dá mais.