segunda-feira, 18 de maio de 2015

O Dono da Pista

Qualquer dias destes, vou sair
de crocks
amarelo.

E não me importa a dor alheia
pois colada à cintura
estará minha pochete
roxa.

Mais ainda: se acontecer de alguém reclamar
eis que então, como provocação, usarei, de cano alto
meu par de meias
pretas.

E do alto da escada rolante, estará minha pessoa
Triunfando sobre os seres de cabelo roxo
sobre os homens barbados
sobre os teenagers de all star
sobre os jovens tatuados
sobre as jovens de saia vegana

Enfim, estarei eu
como se diz?
Ah sim:
cool, cool até demais

Com meu:
crocks amarelo
minha:
pochete roxa
e minhas:
meias pretas
[sabor cano alto.

Sobre a Cera

Às vezes, vocês, pessoas bonitas, são diversões. Com todo mundo que te propõem a viver, sua estadia nele é, de vez em quando, vitrine para as pessoas comuns.
- Olha lá, mãe, o manequim. 
- Pode tocar?
- Será que existe, mesmo?
Coitado dos olhos de mel, das ondas das pupilas azuis; de tão belos, nos soam irreais, colados nos outdoors da cidade.
Passamos, cruzamos e apontamos, espantados em silêncio, na adoração à vocês, superiores.
Mas quando no cotidiano, o teu sacro ainda é por demais sacro, acaba que não nos convém chegar perto demais, tamanho o medo inspirado.
Pois é, tornaram-se tobogãs, seus rostos simétricos! Parque de diversão seu belo corpo. E agora?
E agora toma-se lugar no pódio, por onde celebramos sua incontestável diferença, esta beleza incorrigível.
Fazer o quê? São as estátuas que deixamos ali, sob proteção e distância, local onde os pombos cagam, porque a natureza, esta sim, não mede diferença alguma.

O Manicômio

Preciso falar, tenho ganas de falar. Minha boca se encheu de saliva, e não haverá barricada que contenha o polvoroso redemoinho de letras.
Vamos cá, onde cá faço minhas anotações mentais: viver, às vezes, me soa como viver às vezes. Nestes momentos, as vozes ribombam, e o perverso surge por detrás da testa: preciso fazer alguma besteira.
Gosto de fazer besteiras, daquelas em que eu me arrependo profundamente. O êxtase de mexer no mosaico cotidiano, embaralhando as cartas, é dramaticamente excitante. Ou isso, ou será o texto para ler, a festa na quinta, a debate na sexta e aquela menina exageradamente descolada para conquistar.
Uma vida sem riscos é a tragédia, calamidade do tranquilo, pois o rio, seguro de si, abraça tudo o que há de brando, na passividade própria de seu destino, que é percorrer neutro, retilíneo e equilibrado.
Provocação é o erro, arroubo de morder aquelas nuvens do dia a dia. Ah, eis que me surge dragão, intempestuosa sede de crescer!
Mas é claro que o coração agitado é um louco entre quatro paredes surdas, porque a extensão de sua expressão não é feita de qualidade involuntária, nervos impulsivos, cabelos excitados e elétricos: antes fosse. Se assim fosse, seríamos todos Cazuzas. Estaríamos afogados em ditames do coração. Daí que o cão ladra pela floresta, policiando o que há de selvagem, emboscando o louco que a pouco citei. Não é dele a propriedade do corpo. De quem é, então?
De quem calcula, e mais ainda, propõe: a mente realiza ambas, e escreve somente em sonhos e teoria a loucura do coração.
Então que faço eu com ele? Calado grita, gesticula fanático, exasperado, sôfrego! Reivindica algum soco, que o cardiograma só pulsa porque sim.
Quero pulsar por motivos além do sim natural. Quero pulsar porque sim, não, talvez, sempre e nunca. Pulsar porque ainda pulsa, porque ainda há tempo. 
Pulsar porque o sol bate, mesmo que lá fora. 

segunda-feira, 11 de maio de 2015

As Coisas do Mundo

Então eu apago a luz, e por entre as cobertas, lacro meu corpo com uma cor azul marinho. Todo o resto é oceano de embriaguez, aquele espectro de orgasmos por onde os meus sonhos sonham dentro de tudo que há em você, moça.
Pois que entre os olhares castanhos, uma névoa se situou entre nós, para que desvendássemos o lado de lá da boca.
Mirávamos tanta beleza de forma fixa, com seriedade de gente grande — novidade pra mim —, sem medo de abrir os desejos. Assim, enfeitiçados pela névoa, procurávamos algo mais.
De minha parte, um desejo incomum surgiu, que é o de construir uma história, perto de pastos, vacas, sexo, muito sexo, e arte. De você, nada posso sugerir, afinal, o mistério está em ti, não em mim.
(E o curioso aqui é o leitor, querida. Estou tranquilo e sem nenhuma pressa para as coisas do mundo).