sexta-feira, 30 de outubro de 2015

Demônio 2

Ter escrito este último texto me fez bem. Arranquei todo peso, toda massaroca, toda macarronada de ideias. E a conclusão é simples: reprimo determinadas atitudes, e sempre que as encontro no outro, sinto-me irritado; se eu mesmo as cometo, sinto culpa. E como eu havia dito, estou sentindo culpa e ódio por tudo. Bom, agora me resta rever o que tanto reprimo que não se aguenta mais estar preso.
Cito, pois:

- Minha vontade de destruir opiniões, doutrinar pessoas, desconsiderar visões diferentes das minhas e dar ordens
- A não rigorosidade com as ideias. Reprimo a leveza de sustentar uma ideia sem apoio teórico (estou sempre obsessivo a ter argumentos pras coisas, não consigo simplesmente "achar que sim"). Então reprimo minhas crenças espirituais.
- Reprimo meu desejos sexuais, pois imagino que sexo é uma forma de objetificação, e portanto, maléfica.
- O erro. Censuro produções artísticas minhas que carecem de qualquer densidade ou me soam infantis.
- A falta de vontade de escutar empaticamente o sentimento dos outros (se bem que nem tanto isto)
- Meu ódio/falta de paciência/tédio por atitudes dos outros
- A verdade pura e simples: que chamo atenção com muita felicidade. E que gosto de chamar atenção, adoro.
- Minha vontade de fazer nada (mas isto também está mudando)

Os demônios estão a solta. Tudo que é reprimido está agora no ar e escorregadio. O ódio está pulando dentro de mim, chiando, pra falar a verdade. Gostaria de contar como toda esta explosão surgiu.
Fiz um curso da Comunicação Não-Violenta. E com ela, questionei demais o tal do conhecimento, chegando na conclusão de que ler ou não ler não me faz alguém melhor; que ler às vezes não significa nada; que existem outras formas de aprender e que fazer nada é uma ótima coisa (porque sempre me senti culpado de não fazer nada).
Além disto, pude me comunicar melhor con la gente, porque estou mais vulnerável - aprendi a força da vulnerabilidade - e porque entendo que qualquer um é capaz de entender qualquer coisa (sumindo de vez com a ideia de que há assuntos-que-nem-todos-entenderiam-porque-não-leram-a-respeito).
Assim, dediquei praticamente uma semana de nada a fazer. Nada fiz. Não fui à aula, tô enrolando com um projeto, nem comecei um trabalho. Isto naturalmente me levou ao local dos demônios: o que mais seria aceitável? Se não ler e nada fazer é aceitável, o que mais é permitido?
Então liberei as trevas, vasculhei a maldade. A CNV foi a precursora do processo de me aceitar e de me entender.
Pois bem, esta caminhada ao Bosque dos Demônios está sendo assim, bem pesada. Entrei em contato com aspectos chocantes de mim, chegando até a alimentar a maldade nos extremos do imoral. E entendi com clareza esta história de alimentar o Bem e o Mal em nós. Antes esta frase era verdadeira, mas porque eu não tinha contato com a maldade, não podia compreendê-la com o coração. Com este passeio, e com esta conscientização de meu ser, posso dizer que agora tenho a opção da escolha. Mas isto, deixemos pra depois.
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É isto, o tal demônio. A sombra, o lado oculto que mais odiamos, repugnamos e ignoramos, mas que existe em vigor dentro de nós. Este momento de minha vida está fazendo ressurgir (ou desprender) o lado negativo, minhas aberrações.
É interessante como estou tentado a ler sobre o ocultismo; por que será? Deve ser porque o acho belo, e perigoso. Se a parte da luz estuda filosofia, as trevas estudam o ocultismo.
Enfim, os demônios estão a solta. Estão a solta. O que fazer? Sinceramente, esta é a última pergunta a ser feita.
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Demônio

Pois bem. Este mês é a reviravolta dos corpos. Percebo o oposto das coisas, o avesso dos fenômenos. Acordei na casa de uma amiga minha, e com o corpo cansado, cinza em aparência e em natureza, prostrei-me em frente a janela. Vi um gato pular seu muro e invadir seu jardim. Noto o que fez: abocanhou um lagarto. Morto, com a alma espiralada, virou almoço.
Hoje, me levantei e li uma mensagem no celular (que se destinava a um grupo): "Gente, preparem-se para a visão do sofrimento. Há uma pomba morta no meio da rua."
E dentro de mim, o caos. Caos de fato, sem preciosismos. Ando pensando coisas que eu jamais pensaria, imaginando coisas que jamais imaginaria, e quase fazendo o que eu jamais faria. É a figura do demônio que ilumina meu peito, consagrando seu território em meio a um antigo mundo de luz e Deus. O que diabos acontece comigo senão a demonstração clara de que a maldade existe, seja lá tua santidade e beatice? De novo cito Titãs em um texto meu:

"Filantrópico
Samaritano
Generoso
Tão humano

Acumulando raiva e rancor"

É, quanto maior a luz, maior a sombra. Vivi um ideal de perfeição absurdo, acredite. Indo aos extremos da compreensão, do amor e da empatia. Mas agora, tudo se rebela. O mal nasceu em mim, e vejo "Le fleurs du mal" desabrochando nos jardins de meu coração.
De fato, fui atrás da maldade. Li o que em meu mundo se consagra como maldade: psicopatia. Tenho medo de psicopatas, porque eles existem, e não medem esforços. São de fato o mal, concreto e em forma de osso, cérebro e sangue. Estão em todos os lugares e fazem o jogo sujo deles, onde criam as próprias regras, o ponto de partida para tua derrota. Além disto, podem matar sem remorso.
Que besteira a minha, ler histórias de serial killers. Ver o sangue, pensar no sangue, ficar sedento por ele.
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Sim, as coisas estão do avesso. Palavrões e maldições escapam da minha mente de forma natural, e sempre em inglês. "Why don't you kill yourself?"; "I hope you have a slow and painful death"; "Why don't you all just die?". E rio internamente dos movimentos sociais, zombando de cada pessoa que se intitula salvadora do universo. Faço piada do sofrimento alheio. Estou insensível.
E quero ver morte, sangue, dor. Morte, facas e gargantas. Suicídios, suicídios em massa.
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Busco uma explicação para este momento absurdo, que pra mim não é tão difícil de entendê-lo: tenho o esforço de ser perfeito segundo meus próprios parâmetros, e assim, persigo esta idealização. Como? Sendo gentil, amoroso, carinhoso, respeitoso, justo, compreensível, responsável, empático, aberto, reflexivo, cuidadoso. Que mais? Procuro não olhar para as mulheres que tenho imenso desejo sexual, vontade insana transar, anseio maligno de ser sádico na cama. Estas coisas são tão fortes pra mim, que não consigo separar o sexo deste componente brutal que é a violência. E quem não reprime a violência?  O resultado é que reúno o apetite sexual com o proibido, e aí, me reprimo em até simplesmente olhar alguém.
O quem mais em mim eu esforço pra ter ou ser? Oras, me esforço pra ser vivo. Existir, pra mim, é uma dádiva; logo, não desperdiço o viver. Me entretenho em várias atividades, experienciando muitas coisas. Como estamos na época da reviravolta, a única coisa que quero é ficar em casa, dormindo. E foda-se o mundo, foda-se a filosofia, foda-se a responsabilidade, foda-se o trabalho ridículo que em nada acrescenta minha vida. Caralho, como é possível que estes filhos das putas não param UM segundo sequer? Como diabos é possível que queiram que eu faça o trabalho AGORA, nestas condições de vida que eu estou? Pra fazer o trabalho, tenho que ler, estudar, tirar dúvidas e o cacete a quatro. Vá à merda! A única coisa que eu quero é me envolver no escuro, e ficar horas a fio no silêncio. O mundo não tem sentido. Antes de escutar música no youtube, vejo uma propaganda. PROPAGANDA, AGORA?! Como diabos isto é possível no meu mundo, que vocês queiram vender, e sempre com a MESMA VOZ, O MESMO ESTILO, O MESMO SORRISO IDIOTA NO FINAL DO VÍDEO, A MESMA PROMESSA, A MESMA FELICIDADE? Parece até que as pessoas são iguais, e nunca se descontrolam por nada. Porra, mundo.
Continuando. Estava dizendo tudo que eu me esforço a ser. Ah, eu me esforço pra ser sincero (dizer as verdades para que em conjunto, possa se resolver um conflito. Falar a verdade é diferente de ser sincero-cuzão, um tipo de gente que fala bosta a torto e a direito pra depois justificar "era só a verdade, ué". Pau no seu cu, arrombado. Você tem noção de que palavras podem machucar?). Talvez agora eu passe a fazer o mesmo, mentindo ou sendo sincero-cuzão. Isto se insere num contexto maior, que é o de importar com o que os outros pensam.
Pausa pra respirar.
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Sim, eu me importo. Queria ser como estas pessoas que só falam merda sem se preocupar com nada. Mas não; eu sou rigoroso com as palavras. Busco a verdade, não me contradizer, agradar gregos e troianos. Além do mais, morro de medo de as pessoas terem raiva de mim. Me culpo por tudo, tudo. Nas amizades, era sempre eu o cara a pedir desculpas, mesmo não tendo feito nada. Obrigado, texto, por me lembrar do passado, onde eu desesperadamente pedia desculpas ao cara que zombava de mim, ao outro que fazia merda e ao outro que era grosso e estúpido comigo. Espero que todos vocês morram enquanto assistem à morte de seus familiares mais queridos.
Por isto me dói dizer as coisas, na maioria das vezes. Porque e se a pessoa ficar brava comigo? E se ela quiser nunca mais falar comigo? Que ódio DE MIM. QUE ÓDIO. Por que eu tenho tanta culpa de existir e viver e respirar e xingar e ter desejos sexuais? Que vontade de xingar todas as pessoas que eu conheço e que são minhas amigas; que vontade eu tenho de (sem argumentos, veja bem), criticar os amigos mais próximos meus. E nem xingar mais eu posso. Dizer filho da puta, bicha, viado, arrombado, cuzão, etc; são palavras que "reforçam uma forma de preconceito ETC". Pra puta que pariu tudo, pra puta que pariu. Eu adoro dizer "nego/negão". Me soa carinhoso, e com estas palavras, me sinto muito mais próximo das pessoas de etnia negra. Mas não posso, e pelos mesmos motivos ditos acima. Me sinto extremamente frio quando digo "era um negro de 1,80m".
Acredita que eu tenho medo de olhar para as pessoas negras mais próximas de onde eu estudo? Tenho este medo porque penso que elas vão olhar pra mim e pensarem que eu estou olhando pra elas com preconceito. Se isto não é nóia, não sei o que é: escolho um lugar pra sentar. Olho para uma mesa, decido não sentar lá (por motivos variados). MAS aí eu vejo que tem uma pessoa negra nesta mesa. Tenho MEDO de NÃO sentar e ela pensar que o motivo disto É ELA. Olha que merda de situação.
Medo de tudo, medo de tudo. Culpa por tudo.
Por que me importo tanto com as pessoas? Porque amo elas, caralho. Porque amo e respeito a existência do ser humano. Porque não gosto que as pessoas sofram. Porque amo a humanidade e desejo a todos que tenham uma vida digna, seja lá o estuprador, o nazista ou o ditador tirânico.
Mas agora as coisas estão do avesso. E quero a morte da humanidade.
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O que fazer com o desejo imenso de mandar tudo tomar no cu mas não ter a coragem de aguentar um mundo contra mim?
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Demônio. Os valores estão invertidos. Quero fazer o errado. Estou explodindo de ódio, coisa que tanto seguro e repreendo. Estou explodindo de ÓDIO, puro ÓDIO, e só ÓDIO.
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E claro, cinismo. Cínico e imbecil, porque na prática eu sou um eterno bundão, que morreria de medo de ser cínico de verdade. Na prática eu nunca xingaria alguém. Eu iria perguntar o que ela sente, daria um abraço, e faria o dia dela um pouco mais leve.
Mas meu Deus do céu, que agonia. Que faço eu do ódio? Eu odeio a incompreensão das pessoas; a falta de reflexão delas sobre a própria vida, a contradição de suas próprias frases, a incompetência delas em ajudar pessoas, a mania de julgar e falar merda; a incapacidade de ouvir; a bosta dos comentários no Facebook; os vídeos estúpidos de gente que não estuda/pensa de forma rigorosa os assuntos que expõem, a estupidez dos amantes da ciência que DESPREZAM COM HORROR E CINISMO QUALQUER OUTRA FORMA DE CRENÇA QUE NÃO POSSA SER ATESTADA E COMPROVADA E VALIDADA PELA CIÊNCIA; RAIVA A ESTES FILHOS DA PUTA QUE ATORMENTAM MINHA VIDA E NÃO ME DEIXAM ACREDITAR NO QUE EU QUISER, ESPÍRITO, ALMA, DEUS, REENCARNAÇÃO, MAGIA; RAIVA AOS RIGOROSOS QUE NEM EU QUE NÃO PERMITEM LER BESTEIRA E ACREDITAR NA BESTEIRA; que fazer com toda raiva? Que fazer com a raiva do cara que me disse "Te convenci de tal coisa? Vai pra casa, pensa direito e repensa direitinho". PAU NO SEU CU, ARROMBADO DO CARALHO, FILHO DA PUTA. Eu tenho o meu direito  de pensar como eu quiser, quando eu quiser, e chegar na conclusão que EU QUISER. Não me convença de nada, e nem me mande repensar nas tuas palavras; que fazer com a raiva, santo Deus? Raiva de você, que se diz experiente, e olha para o meu mundo como se eu fosse o jovem imaturo inexperiente. Sabe porque eu te odeio? PORQUE EU ACHO QUE SOU JOVEM IMATURO E INEXPERIENTE. E ACHO QUE SIM VOCÊ É UMA PESSOA MADURA, VELHA E EXPERIENTE. EU ME COLOCO SEMPRE NA POSIÇÃO DE INFANTILIDADE. Eu sou o imbecil que julga pelas aparências e pelo conhecimento. Eu sou o imbecil pessimista que não deixa as pessoas pensarem o que quiserem. Eu sou o cara que odeia, e é o objeto do próprio ódio. Eu sou o idiota que julga, que não compreende, que se acha mais inteligente que os outros, o idiota que julga as pessoas que acreditam em qualquer coisa, o idiota que é incapaz de ouvir, o idiota que é rigoroso, o idiota que não deixa as pessoas serem como elas são.
Eu odeio a humanidade, eu me odeio. Eu odeio quem eu sou. Eu odeio tudo.
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Isto é o demônio, creio eu. Tudo invertido. Quero agir da forma como eu mais crítico.
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Não sei mais. O demônio é aquilo que eu/sociedade reprime? Então vou dar uma caricatura do demônio:

Ele não aproveita a vida; gasta horas e horas no facebook; ele tá pouco se fodendo pro fato de ser sustentado pela mãe; ele faz sexo com todas as mulheres possíveis e canta todas elas de todas as maneiras possíveis; ele ignora o sentimento das pessoas, julga todas elas e é duro com todas as pessoas que vê; ele reprime a crença de todas as pessoas que creem sem o sustentáculo da ciência; ele assiste à televisão o dia inteiro; bomba em todas as matérias possíveis; o demônio bebe até destruir o fígado; come besteira até acabar com o corpo; ele não se renova, é sempre o mesmo; ele manipula as pessoas; mata elas; estupra todas as mulheres possíveis, estupra crianças; realiza chacinas; envenena o mundo; gaslight every women; come carne; rouba milhões de empresas; pega crianças, trafica seus orgãos e as esconde no mar; goza na cara de mortos; faz as pessoas chorarem porque gosta disso; é burro (propositalmente); não questiona as coisas (propositalmente); quer tudo do jeito dele.
Senhoras e senhores... O demônio somos nós. Todos nós temos o demônio, e em mim, ele não se segura mais. Ou se segura, sei lá.
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Interessante. Tudo que eu odeio há em mim. Eu sou o filho da puta citado acima. E agora? O que fazer com ele?
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Sobre o sexo, eu já tenho ideia. Tô ligado que a visão das pessoas sobre flertar não é algo assim tão duro. Eu é que sou muito crítico. Talvez dar em cima de alguém não seja tão ruim assim.
Sobre a violência no sexo... Bom, eu curto ser sádico. O negócio é achar quem queira e aceite isto, numa boa, sem neura.
Sobre a parte de ser um cuzão que não se importa com os outros, que critica, que é duro, que não permite as pessoas a pensarem como quiserem, que quer doutrinar a todos, eu não sei. Cansei. tchau.


domingo, 18 de outubro de 2015

Coisas para nunca se esquecer:

- Abaixar pra falar com uma criança. Assim ela te vê como igual.
- Entender o que a pessoa está querendo dizendo por trás das palavras, porque, sinceramente, tudo o que dizemos cotidianamente é um script. Tudo. Tudo é automático. Conectar com alguém requer desvendar o sentido das frases prontas.
- Não responder tudo e a todo momento. Sério, desista deste script. Admita não ter respostas e fique em silêncio, se for o caso.
- Se alguém te perguntar como está, você pode ficar quieta*, sabia?
- Quanto maior a distância, maiores os rótulos. Uhum, acredite.
-  Estar vulnerável é a única segurança que existe. Falar bonito, ser bonita*, ler muito, ter dinheiro, etc. Tudo isto é uma caixinha da qual não largamos, e que a abrimos nos momentos em que ela é necessária. E quando ela é necessária? Quando não estamos totalmente abertos para uma situação. Daí nos fechamos e utilizamos os elementos da caixinha pra nos protegermos da crítica, da vergonha, da humilhação e do julgamento. O ruim é quando o outro tem mais do mesmo elemento que você tem. Aí rola comparação, inveja, competição, etc. De verdade, carregar e usar estes elementos são mostra de nossa insegurança em se abrir. Então onde está a segurança?
Em estar vulnerável. Se entregar no amor, na amizade, numa palavra, numa promessa. Ui, soou piegas, desculpa. Mas creio nisto. sinceramente. A vulnerabilidade é a máxima entrega e a máxima confiança. Considero hoje a vulnerabilidade como a maior demonstração de força e segurança possível.
- Se uma conversa está chata, você pode fazer ele ficar legal.
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* Achei bonito utilizar o gênero feminino pra designar o ser humano. Escrever "x", pra mim, faz o texto perder sua fluidez.

Conhecimento

Tô em severas dúvidas. Pra quê serve o conhecimento? Serve pra algo? E mesmo sendo ele inútil, com todas as qualidades de ser assim, que tipo de inutilidade é esta? Pra quê saber? Pra quê pensar?
Que respostas eu busco, que perguntas eu faço?
Pra quê serve ler? Conhecimento é cumulativo?
Blá. não sei. Mas obrigado, vida, por me fazer frear esta insegurança no coração. Se questiono o porquê do conhecimento, é porque já não o tenho como valor supremo nem como apoio ou integridade. É porque estou mais seguro de quê existem outras coisas que me fazem incomparável, e portanto, inqualificável. Eu, simplesmente sendo eu, sem me predicar com os livros, a sabedoria, o conhecimento e a erudição. Sou mais que isto, thank you lord.
Já escrevi que não tô afim de revolução. Quero novidade, e que tudo seja um fim em si mesmo. Quer mudar o mundo, jovem? Cuide de você primeiro, por favor. Please, plante uma florzinha. Cuide de seus sentimentos, descubra seu corpo.
Concomitantemente, entenda, e mais, sinta, SINTA, o outro. Neste movimento todo, estamos naturalmente cuidando de algo maior que nós e que de certa forma nos envolve. Sociedade, talvez?
Mas não; queremos ir logo de cara pra parte em que "mudamos o mundo". Quer dizer, brigamos com quem está em nossa volta, estamos irritados com nós mesmos, e ainda sim pressupomos uma salvação para todos os problemas do universo. E mais: acreditamos ter esta salvação.

Revolução

Sempre tive medo do palavrão "revolução". Em parte porque temo ser partidário ao extremo de uma ideia, ao supor que ela possa ser maior e melhor para todas as pessoas do mundo. Em parte, porque detestei me ver entre iguais; e já chega de gente da minha idade berrando esta palavra. Me aborreço pensando que sempre houveram pessoas para dizê-la, e que sou apenas outro incorporando a utopia da revolução. Gente de cabelo bonito e ao vento empunhando alguma novidade que logo, logo, morrerá.
Para firmar uma opinião, deve-se ter muita, mas muita certeza. E será mesmo que eu tenho maturidade o suficiente pra gritar que os capitalistas são os porcos? Maturidade o suficiente pra sair nas ruas e jogar imperativos ao resto do mundo? Mais ainda; tenho o conhecimento necessário pra falar o que penso? C'mon, não é fácil ser marxista. Não consigo crer nisto. Tem que estudar demais, gente. Os livros, o manifesto, as críticas, os neomarxistas; e mais ainda, seus adversários. Tem você a coragem de ler "A Riqueza Das Nações"? Pegar os calhamaços e estudá-los ponta a ponta. Liberalismo, neoliberalismo, etc, etc.
E só após ter lido tudo, visto tudo, eu poderei dizer que concordo plenamente, ou que concordo a ponto de querer uma mudança fucking global.
Isto levanta duas coisas: (1) A ideia de que é necessário cumular conhecimento acadêmico para nos orientar no engajamento e de que (2) pensam todos os marxistas, de forma igual. Sobre o primeiro aspecto, tenho dúvidas. Sempre me apoiei naquilo que os livros dizem, e na aquilo que paira abstrato em ideias, conectadas umas às outras de maneira lógica. Mas hoje... já não sei mais pra quê conhecer, e o que é conhecimento, e nem mesmo se ele me adianta algo. Quanto ao segundo aspecto... bom, eis a aporia da minha vida: a discussão entre as pessoas que não somente pensam mais ou menos parecido, mas a discussão entre aqueles que realmente não concordar em absolutamente nada.
"Há desavença sempre que alguém pensa / E ninguém mais tem razão". Ponto final. Mesmo que eu tenha toda a certeza do universo de que determinado autor está corretíssimo, algum bicho me cutucará a orelha, e eu a coçarei desesperadamente. Se ele está corretíssima, necessariamente correta, urgentemente correta, como diabos me comportar perante à antítese? Quer dizer; ou eles estão errados e devemos guiá-los para a luz, a nossa luz, irmãos!, ou, como já vi somente em alguns lugares, em situações muito específicas, casos isolados, em tempos remotos, eliminamos o alvo. Mas isto é coisa do passado. Hoje vemos perfeitamente que o outro é mais que o outro, é um você-mesmo que somente pensa diferente. Enxergamos que ele é teu semelhante, da mesma espécie, e que chorou quando bebê - e todos, em tatibitate, disseram "que gracinha, não?". De forma alguma queremos a morte do outro. Nem sequer pensamos em rotulá-lo como "coxinha"; "conservador/reacionário" (em sentido pejorativo); "porco capitalista"; "liberaleco"; "burguesinho escroto". "classe média nojenta"; "palavra-que-desmereça-a-vida-que-a-vida-é-e-deu-à-pessoa-que-vive".
Bah, chega de ironia. A gente se odeia. Nos odiamos, e queremos a morte de quem pensa diferente. Choro rios e já passei raivas profundas pela humanidade, esta besta que briga com o próprio rabo, tudo por conta desta cisão das ideias. "Diálogo" é o escambau, meu Jesus. Convivo com esta palavra: "diálogo". E pra quê? "Pra conscientizar". O escambau, cacete. O que tu quer é mudar o outro, fazer com que ele pense igual a você, e que siga teus passos, e que concorde junto de ti, porque só assim uma revolução acontecerá. Mas pelo amor de Deus, não vê a ingratidão que se esconde por detrás desta palavrinha inocente, "diálogo"? O diálogo pressupõe persuasão, porra. O diálogo pressupõe a burrice ou alienação do outro. O diálogo pressupõe mudança, mas pra quê lado? O teu, é obvio.
Não vejo absoluta diferença em nenhuma mudança; todas são exatamente iguais. Continuamos nos matando, apontando o dedo e rumando em direção ao futuro, que "um dia será repleto de felicidade". O mesmo discurso, a mesma verdade, a mesma ilusão, a mesma mania. Nós, eles; luz, ignorância; bondade, maldade.
Tá aí porque temo a palavra "revolução". Porque somos dois, e nunca um.