domingo, 18 de outubro de 2015

Revolução

Sempre tive medo do palavrão "revolução". Em parte porque temo ser partidário ao extremo de uma ideia, ao supor que ela possa ser maior e melhor para todas as pessoas do mundo. Em parte, porque detestei me ver entre iguais; e já chega de gente da minha idade berrando esta palavra. Me aborreço pensando que sempre houveram pessoas para dizê-la, e que sou apenas outro incorporando a utopia da revolução. Gente de cabelo bonito e ao vento empunhando alguma novidade que logo, logo, morrerá.
Para firmar uma opinião, deve-se ter muita, mas muita certeza. E será mesmo que eu tenho maturidade o suficiente pra gritar que os capitalistas são os porcos? Maturidade o suficiente pra sair nas ruas e jogar imperativos ao resto do mundo? Mais ainda; tenho o conhecimento necessário pra falar o que penso? C'mon, não é fácil ser marxista. Não consigo crer nisto. Tem que estudar demais, gente. Os livros, o manifesto, as críticas, os neomarxistas; e mais ainda, seus adversários. Tem você a coragem de ler "A Riqueza Das Nações"? Pegar os calhamaços e estudá-los ponta a ponta. Liberalismo, neoliberalismo, etc, etc.
E só após ter lido tudo, visto tudo, eu poderei dizer que concordo plenamente, ou que concordo a ponto de querer uma mudança fucking global.
Isto levanta duas coisas: (1) A ideia de que é necessário cumular conhecimento acadêmico para nos orientar no engajamento e de que (2) pensam todos os marxistas, de forma igual. Sobre o primeiro aspecto, tenho dúvidas. Sempre me apoiei naquilo que os livros dizem, e na aquilo que paira abstrato em ideias, conectadas umas às outras de maneira lógica. Mas hoje... já não sei mais pra quê conhecer, e o que é conhecimento, e nem mesmo se ele me adianta algo. Quanto ao segundo aspecto... bom, eis a aporia da minha vida: a discussão entre as pessoas que não somente pensam mais ou menos parecido, mas a discussão entre aqueles que realmente não concordar em absolutamente nada.
"Há desavença sempre que alguém pensa / E ninguém mais tem razão". Ponto final. Mesmo que eu tenha toda a certeza do universo de que determinado autor está corretíssimo, algum bicho me cutucará a orelha, e eu a coçarei desesperadamente. Se ele está corretíssima, necessariamente correta, urgentemente correta, como diabos me comportar perante à antítese? Quer dizer; ou eles estão errados e devemos guiá-los para a luz, a nossa luz, irmãos!, ou, como já vi somente em alguns lugares, em situações muito específicas, casos isolados, em tempos remotos, eliminamos o alvo. Mas isto é coisa do passado. Hoje vemos perfeitamente que o outro é mais que o outro, é um você-mesmo que somente pensa diferente. Enxergamos que ele é teu semelhante, da mesma espécie, e que chorou quando bebê - e todos, em tatibitate, disseram "que gracinha, não?". De forma alguma queremos a morte do outro. Nem sequer pensamos em rotulá-lo como "coxinha"; "conservador/reacionário" (em sentido pejorativo); "porco capitalista"; "liberaleco"; "burguesinho escroto". "classe média nojenta"; "palavra-que-desmereça-a-vida-que-a-vida-é-e-deu-à-pessoa-que-vive".
Bah, chega de ironia. A gente se odeia. Nos odiamos, e queremos a morte de quem pensa diferente. Choro rios e já passei raivas profundas pela humanidade, esta besta que briga com o próprio rabo, tudo por conta desta cisão das ideias. "Diálogo" é o escambau, meu Jesus. Convivo com esta palavra: "diálogo". E pra quê? "Pra conscientizar". O escambau, cacete. O que tu quer é mudar o outro, fazer com que ele pense igual a você, e que siga teus passos, e que concorde junto de ti, porque só assim uma revolução acontecerá. Mas pelo amor de Deus, não vê a ingratidão que se esconde por detrás desta palavrinha inocente, "diálogo"? O diálogo pressupõe persuasão, porra. O diálogo pressupõe a burrice ou alienação do outro. O diálogo pressupõe mudança, mas pra quê lado? O teu, é obvio.
Não vejo absoluta diferença em nenhuma mudança; todas são exatamente iguais. Continuamos nos matando, apontando o dedo e rumando em direção ao futuro, que "um dia será repleto de felicidade". O mesmo discurso, a mesma verdade, a mesma ilusão, a mesma mania. Nós, eles; luz, ignorância; bondade, maldade.
Tá aí porque temo a palavra "revolução". Porque somos dois, e nunca um.

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