Ainda estou vivo, pra sempre vivo. Nada como lembrar que a vida nos força a estar aqui, seja lá onde for o lugar.
E conforme o tempo passa, vou deixando algumas preocupações (ou várias delas). Tranquei quase todos os cursos da faculdade, não tenho mais esta pressão acadêmica. Desisti da ideia de arranjar um emprego fora da universidade - estou atrás de estágios que a UNICAMP oferece. E também busco mudar, realizar a mudança.
Porque afinal, nenhuma baque é a força motriz da metamorfose. Talvez um evento catastrófico te force a ver tudo de um outro modo; mas quando me refiro a alterar um padrão de comportamento, aí é a disciplina que entra em jogo.
Minha cabeça opera do seguinte modo: ou enxergando problemas, ou pensando na inevitabilidade da morte e o esvaziamento de sentido da vida que ela gera. Combinando estes dois elementos, não há tranquilidade, apenas ódio e apatia, ódio e apatia, sentimentos os quais foram objeto de estudo, escrita e vivência por alguns anos já. O Tumblr XVI Anos A Mil nasceu por aí, nestes caminhos dolorosos.
E de tanto penar, acabei me tornando algum Marcos peculiar. Irônico, ansioso, desesperado, meio mórbido também. Vagando pelo silêncio, sempre solitário em busca de alguma coisa que me afague em meio a tanta dor.
Entretanto, aos poucos fui me libertando do sofrimento, e de forma natural; como quando no metrô, subindo a escada rolante, preocupei-me por ter parecido grosso com uma pessoa em específico. No momento em que esta preocupação veio, me acalmei instantaneamente através de um pensamento bem claro: se eu for me preocupar com cada pensamento de todas as pessoas ao meu redor, ficarei louco.
Tão lúcido e brilhante... E nem fiz força alguma. O pensamento surgiu naturalmente e de repente, como se já tivesse experienciado esta situação diversas e diversas vezes, a ponto de não ter que se preocupar mais com isso - "o que os outros pensam de mim".
Só que agora eu quero mais. Quero não só que naturalmente as coisas se resolvam como no caso acima; quero formular um padrão de comportamento que possibilite uma vida menos preocupada, menos dramática, onde o mundo possa finalmente ser algum lugar maravilhoso.
Sabe "What a Wonderful World"? Acho uma afronta cantar algo assim, quando na esquina e dentro da sua própria casa a violência corre solta. É perigoso ser feliz. Ser feliz é ignorar a dor da gente e a dor das pessoas em nossa volta. O otimismo é quase uma arma pra quem sofre, pois "deslegitima" o sofrimento.
Desculpa, acho que estou me perdendo na ideia. Vou ser mais claro: em geral, dizem que é feliz quem aceita a realidade e não discute ela; assim, a felicidade é a mesma coisa que resignação. Outros dizem que é feliz aquele que vê o lado bom das coisas; a felicidade é o otimismo. Na nossa sociedade, o otimismo é esmagado por aqueles que se clamam "realistas". Outros ainda dizem que ver o lado bom de tudo faz parte da tal "ditadura da felicidade".
As pessoas não abrem espaço para a felicidade, encarceram ela de todas as formas possíveis. A realidade é uma grande tragédia, e ser feliz em meio a um mundo de tragédias é o mesmo que "fechar os olhos", "ignorar a verdade". O senso comum olha pra realidade como uma antro de sofrimento, e qualquer um que queira mudar isto está completamente por fora das "coisas como são": ou é romântico, ou vive num mundo de ilusões, ou impõe o riso, ou é simplesmente um saco, a pessoa boba que acha tudo maravilhoso.
Tenho que dizer com força que não aguento mais não ser feliz e viver rodeado de problemas. Estou farto de pessimismo, de textos sociológicos que focam sempre em problemas: o problema das redes sociais, o problema da sociedade pós-moderna, o problema do sexo, o problema disto, o problema daquilo.
Mas é claro que o sujeito que no momento escreve nasceu num mundo assim, o que torna muito difícil reverter a situação: eu mesmo me proíbo de ser feliz e não consigo encontrar um modo de ser feliz e não ser tosco, resignado ou romântico. Estou preso numa visão pessimista do mundo, e meu maior problema é achar que o pessimismo é a realidade.
Por isso a mudança. Porque cansei de vagar culpado, triste, amargurado, desesperançoso, irritado, desanimado, magoado, cansado, desesperado, ansioso, frustrado, preocupado, amedrontado. Chega, não aguento mais esta porcaria de vida.
Preciso de uma disciplina que me permita ver a vida diferente, com calma, tranquilidade, segurança, curiosidade, esperança, vontade, despreocupação.
Mas não é fácil. Uma vida com qualquer uma destas coisas é quase sempre uma vida tosca, romântica e leviana.
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Estou há duas semanas consecutivas escutando uma música: Time, do Angra.
A letra é basicamente sobre os tormentos que vivemos, e sobre como isso arranca nossa vontade de viver. Mas, mais do que cantar sobre isto, a música tenta mostrar que há alguma chance, alguma luz no fim do túnel:
"There's so much hidden behind
As so much more we've gotta give".
Ainda há outra música que me encanta: O Que é, O Que é?, do Gonzaguinha.
Todos conhecem. "Viver, e não ter vergonha de ser feliz. Cantar e cantar e cantar a beleza de ser um eterno aprendiz. Eu sei que a vida deveria ser bem melhor e será. Mas isto não impede que eu repita: é bonita, é bonita e é bonita".
Preciso de algo novo, alguma forma de realidade otimista. Entendem? Não é o "otimismo", mas uma realidade otimista, a felicidade que não é falsa e que não encobre a tristeza. Neste mundo que quero criar, posso estar triste e chorar. Mas não quero estar amargurado com tudo, nem ser pessimista, nem viver preocupado com cada coisa que acontece.
Já digo de antemão: não é fácil. Acredito que ser um realista otimista é algo três vezes mais difícil do que ser o tal do pessimista. Ser pessimista não possui desafios. Ser otimista, sim.
Procurar a luz no fim do túnel requer trabalho e força de vontade.
Andei lendo "Poliana", um romance sobre uma garota que encanta todas e todos com seu otimismo. O livro foi escrito no século XX, período marcado por tragédias, fome e várias gueras: as duas guerras mundiais, a guerra fria, guerra do golfo, guerra da Coréia etc. Mesmo num período como esse (ou talvez porque num período como esse) o livro tornou-se um best-seller mundial.
Não é por menos. O modo como Poliana vê tudo ao seu redor é de tal maneira encantadora tanto pelo seu amor quanto pela inovação no olhar. Ela é assombrosamente contente. Chega a assustar.
Porque uma das regras do "jogo do contente" (já irei explicar) é aceitar a realidade. Nada de ilusão, romancismo ou futilidade. Antes de tudo, deve-se aceitar a realidade e ser claro quanto as coisas como são. A partir desta perspectiva, a perspectiva da clareza, há a possibilidade de jogar bem o jogo.
Poliana uma vez quis ganhar uma boneca, mas recebe ao invés disto um par de muletas. Seu pai, neste dia, a ensinou o jogo do contente, que consiste em ficar contente com todas as situações da vida. No caso, Poliana ficou contente porque recebeu as muletas e não teria de usá-las, afinal, possui duas pernas, as quais as usa com muita felicidade.
Vê? Poliana não foi fútil, nem romântica. Ela ficou contente de fato, viu a situação segundo uma nova perspectiva; aceitou que não teria a boneca e encontrou um outro lado da realidade.
Eu quero isto também. Quero a mudança pra parar de sofrer toda vez que acordo.
Nesta busca, passei a meditar três vezes ao dia, e entre as meditações, faço Yoga. É algo, mas quero mais, muito mais.
Eu não nasci pra sofrer. Chega.
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Vou atrás de mais posições de Yoga e tentarei jogar o jogo do contente. Tenho esperança, pelo menos um pouco, o que já é muito.
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quarta-feira, 23 de março de 2016
quinta-feira, 11 de fevereiro de 2016
Don Ratón e sua Gangue
— Quero fugir em disparada do mau cheiro daquele lugar. São ratos, Madalena. Ratos famintos e raivosos.
— O rato raivoso roeu o resto do romã.
— Que diabos o romã tem a ver com a história, Madalena?
— José, já abriu romã pra ver? São pequenas bolinhas doces. Deméter comeu três e foi condenada a passar três meses no inferno a cada ano — pelo resto da sua vida. Por você, comeram mais do que três; pelo menos devoraram o romã inteiro. Isto é, se toda tua súplica não for produto de uma inata sede por drama, queda e nascimento.
— Madalena, você não faz o menor sentido. Não foi o romã que me comeram: foi a roupa, o reino e a terra. Estou nu da pior forma possível: sem majestade pra exibir o próprio brilho.
— José, você é que não entende nada. Passa o pão, por favor.
Ele passa sem nem olhar o que faz: íris concentrada na dor, mundo ao redor é pura insignificância.
— Escuta: se tua vida se basear no rato que tanto te dita e fascina, tudo que é fora do reino dele irá perder seu encanto. Quero dizer; o lixão dele não é todo lugar pra onde você vai.
— É sim. Estou condenado a cheirar o lixo revirado mesmo quando em casa. Não há como vencer.
— Então desiste! Don Ratón e sua gangue não procuram por sangue novo. Só querem mesmo é espantar as almas que são obrigadas a passar perto deles. Você é obrigado a isto?
— Não. Mas aí eu seria covarde. Imagina só, um ser humano como eu, fugindo da raia a troco de felicidade.
— A troco de quê?
— ... Felicidade.
Passando a manteiga no pão, Madalena exclama:
— José, desertar não é maravilhoso!?
José teve que consentir. Madalena sempre será mais incrível que ele.
sábado, 14 de fevereiro de 2015
Escorpião
A dor é comunicação, quando a lemos e interpretamos. A dor nunca somente é processo materialista, relação química ou fisiológica: o que refletimos acerca dela constitui leitura de mundo; mundo este complexo, não convergente em ponto único de entendimento, mas
agregação de conjunturas que nada delimitam a área do sujeito que sofre.
Quando, através dela, há a quebra do status quo, há também a retirada de uma peça do quebra cabeça, desconstruindo nossa imagem de mundo. A parte ausente convida ao estudo do que somos e vivemos, assim como predileções e gostos.
Quem sabe não somos guiados, em parte, pela dor? Talvez não continuamente, mas como força propulsora.
A busca por saná-la, ou entendê-la, cria parte do que somos, ao indicar os caminhos que a remediem.
E o que somos, senão o que fazemos dela? Somos Floyd, Freud, poesia, romance, psicodelia, trabalho, Lenine, dinheiro, amigos; a lista é extensa.
Isto — a recriação — constitui a pavimentação de nossos caminhos, fruto das certezas de que há caminhos para se pavimentar. Só se cimenta quando há a necessidade de se cimentar.
Mas e os que param, questionam, e sofrem a ausência de sentido da própria existência? – em outras palavras, não se satisfazem rapidamente com as respostas para a dor; do contrário, querem A Resposta.
Estes vivem sob a corda bamba, padecendo da incrível Dúvida. São os adultos que teimam, corajosamente, em encontrar, encontrar, encontrar algo.
A vida, para estes, é criação. Arte, filosofia e esoterismo. Necessitam, urgentemente de mais, mais e mais. Entender, e mais do que isso, provar do que entendem: empurrar ao máximo suas barrigas em direção ao teto do universo.
Nunca, jamais, colarão o corpo às estrelas.
Mas desta situação conflituosa, consequência da Dúvida, surgem também os benefícios da mesma: são estes indivíduos, ponderados. Assumem o próprio ser, na medida em que questionam as próprias atitudes. São ainda bestas como todos os outros, mas ao menos, têm consciência da própria patifaria.
Mas e quanto à dor? Como eles a resolvem — se resolvem, ao menos.
Como bastar a vontade, que surge em seus seios, de abraçar o sol, num enlaço completo? É o ímpeto da imensa certeza, da ideologia universal.
Infelizmente, tudo que nasce do homem como Resposta é produto cultural, logo, passível à críticas. Somos rastro de uma história e passado, os quais fazem parte do presente, e são parte também dos pensamentos por nós produzidos.
Parênteses: cultural, sim, mas incrivelmente existencial. Tudo o que o homem produz como resposta para a dor surge de anseios comuns e universais. O inconsciente coletivo abarca situações padrões vividas por todos: dor do término, a Queda, o bem e o mal, a sombra e outros aspectos comuns da existência.
Assim, toda e qualquer resposta para a dor é fruto existencial (origem dos anseios para a resposta) e cultural (forma como se expressa a resposta).
Tudo humano, demasiado humano, sem grandes certezas, sem grandes verdades, sem grandes revelações, sem grandes respostas, sem grandes e profundos e certos mandamentos.
Não há, portanto, corrente filosófica, religião, arte ou mesmo ciência que afague a Dúvida destes seres.
Destarte, pessoas que sofrem da ausência da Resposta: não há uma imensa palavra que vos revele o sentido do viver. Não digo que o mundo é mera especulação acerca da estrada que tomamos, e nem que a busca pela Verdade é vã, quando medida em sua profunda relatividade entre povos, nações, contextos e indivíduos.
O que lido agora deixa de ser a onipotência de uma Certeza, ou a onipresença Dela. Renuncio a luta pela luz universal. Meu emblema, de hoje em diante, é a visão pela qual descubro a dor.
Portanto, retomo o texto: articulá-la é viver, ao passo que se descobre como se opera e administra a vida.
Mas pra quê, e por que, se não há sentido?
Infelizmente, caio num axioma, cuja aceitação depende tão somente da fé de quem o lê, e claro, do momento em que o descobre. Minha resposta, caso antes por mim fosse ouvida, em bocas outras, não surtiria efeito. Seria desprezada pelo ódio e pelo Leviatã de meu espírito, descontente com a simplicidade insustentável com a qual configura-se.
A circunstância da dúvida, em seu ápice, estressante, devoradora, suplicante, requer estrondosas experiências, muito mais além da resposta escrita. Este texto, tem no final das contas, intenção hipomnemática, isto é, de expressão sólida da memória, calcificação das ideias e meses de sofrimento, e não é recurso elucidativo para àqueles que padecem da Eterna Dúvida.
Então, levarei minha mensagem acerca da dor através de uma alegoria, e não do texto técnico. Em seguida, irei expôr o tal axioma.
Fui tripulante solitário de um navio carregado de perguntas. Singrei por oceanos insânos, ao passo que confundi a turbulência das ondas com a volatilidade de meu espírito inquieto. Tanta tormenta e impulsos suicidas (que não se consumiram por uma leve faísca de esperança) foram experienciados ao extremo do meu corpo, marcado pela fome, desregulação nutricional, descaso visível de minha aparência, olheiras, pele lívida; enfim: meu organismo inteiro foi vítima e sustentáculo do drama do convés sem rumo.
Bem verdade o que acima dito: fui guiado pelos ventos, errantes guias, zombeteiros e extremamente sábios, ao conduzirem o navio de maneira espetacular, por vezes incompreensível, mas agora, em situação atracada, pude notar a sapiência dos sopros.
Por que afinal, tanto divago?
Porque a poesia cria um terreno onde sua compreensão se baseia não na construção linear, mas em imagens onde subitamente o leitor pode encontrar-se.
Basta saber o que houve no caminho para finalmente lhes revelar a resposta acerca da dor, e de como tratei dela.
Pois bem; quase afundando na aquosa salinidade, em meio a um ciclone, fui sucumbido por um pássaro, que trazia em seus olhos a certeza de que minha situação era pouca para declarar-me vencido. O único motivo de afundar era a certeza de que o trajeto não teria fim ou finalidade, e esta certeza foi minada pelo misterioso ser.
O pássaro mostrou suas cicatrizes: vivera o mesmo que eu, em condições semelhantes; mas ao contrário de mim, sobreviveu ao mar boiando por apenas uma tábua de passar roupa. Situação em frangalhos. Detalhou-me sua viagem de volta. Relatara as mesmas angústias minhas, mas contornara a dor.
Como? Não sei.
Ele falava em língua estranha. Meus ouvidos estavam tampados para aquele dialeto. Mas segui em frente, com o rosto alumiado por algum sol do infinito. Tímido, mas real.
Algumas milhas foram navegadas em tom alto, bêbado. Minha pele deixou de ser sensível para aquela dor.
Até que, algum tempo depois, outro pássaro surgiu.
Pousou em meu ombro, e dialogamos. Mais do que isso, acariciou-me, concedendo graça ao meu rosto cinza e áspero de marujo. Discutimos muito: Jung; niilismo; transcendência; Abraxas, Deus e o Diabo; auto-poiese da Terra; espiritismo; Augusto Comte; Castañeda e finalmente o nada absoluto que é o sentido do Tudo.
Pois bem, as respostas para o mundo eram tantas, que a discussão durou dias, e em cada um, o céu adotou novas faces, alterando seu cromatismo conforme a corrente filosófica. Por fim, terminamos com a máxima das máximas: temos esta vida, e esta morte. E agora?
Agora entra a famosa “Terra à vista!”. Obtive a revelação tão esperada: não há Resposta. Tudo são respostas. Não há Certeza, mas várias certezas. Toda e qualquer posição ideológica é contexto de uma mente agregada, e não, separada da realidade: tanto o ateísmo, quanto o teísmo e agnosticismo são leituras da realidade, uma colocação do indivíduo perante ao teatro das vivências. Não há correta ou incorreta possibilidade: tudo faz parte de um grande quadro sem preponderâncias, onde a razão não escapa do subjetivismo, e nem a emoção da intuição.
O partido que tomarmos acerca de tudo nunca será indiferença: até esta é leitura do mundo.
Portanto, eu decido escolher o que me faz bem. A Dúvida sempre existirá, mas a felicidade, este bem supremo, completude efusiva, bola luminosa, será minha guia.
E que axioma eu me referia?
Pra quê ser feliz?
Porque é imensamente bom, e só.
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sexta-feira, 13 de fevereiro de 2015
A Música Urbana
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O Ovo Cósmico, de Vladimir Kush |
Se no texto abaixo foquei no eterno silêncio, a incompreensão total do mundo que segue um itinerário desconhecido, aqui tratarei da exclamação: a música urbana.
O Super-Herói teve suas vísceras comidas pelo nada, e agora, apático, se vê encarcerado no absurdo da vida. A barba por fazer reflete o descuido pela aparência, vaidade nula. Deixou de socorrer os inocentes também, convencido de que sempre haverão outros mil malfeitores, numa eterna máquina que deglute o bem e o mal perante a justiça de talião.
Acodar resultou-se inútil, dormir é prática de morte. A vida segue bagunçada no vazio.
Eis que em uma manhã se depara com a felicidade de duas mulheres, que riam a esmo e unidas. Uma delas passa o sorvete de casquinha no nariz da outra, lambuzando-a de chocolate.
Suas bocas movimentavam-se de modo agitado, parecendo vários pontinhos pintados e enérgicos, exatamente como milhares de átomos em movimento, ou uma pintura expressionista. Esta imagem do samba pictórico era comovente para ele: num mundo sem estações, sem a visível diferença do inverno, verão, primavera ou outono, as bocas agitadas produziam impacto, sensação de calor e frio nele.
Questionou-se do nada e do silêncio. Se a vida é uma tremenda incerteza, o que valeria o percurso se este resulta na morte, e durante o mesmo, caminhassemos eternamente perdidos? Quero dizer: como os lábios das moças dançam em uma realidade tal qual ele estava vivendo?
Decidiu aproximar-se lentamente delas. Talvez tivessem descoberto algo que ainda não lhe foi revelado.
Perguntou:
— Moças... O que as impulsiona a rir e gozar da vida, quando estamos presos no mesmo quadro sem bordas?
As duas param. Uma que usava uma boina quadriculada responde de bate pronto:
— Sei lá.
Incorfomado, o Super-Herói retorna ao seu quarto. Como seria isto possível?
Não se pode agir de tal forma incongruente! A felicidade, então, só poderia ser a distração do nada, os momentos em que nos libertamos de seu fardo.
Esta visão lhe causava asco: alegria é a bebida dos fracos. Torpor, apenas.
Dormiu sozinho, sem mais aguentar o nada, este maldito silêncio de onde viemos e pra onde retornaremos. Doia demais, apertava a garganta. Resta a morte, apenas.
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Mas se existe algo humano, é o ápice inconfundível que em certos momentos ele sente, religando-o ao que há de mais fantástico em seu ser. Tal experiência dispensa perguntas, fomentando-se do hedonismo espiritual, e da nossa busca pelo sublime.
Estes momentos são pinturas mentais, o panorama das cores que surgem do riso, do choro e do amor. É o homem agindo sobre a vida, transformando-a ou simplesmente ignorando-a como uma ameba irracional. De qualquer forma, é a músia urbana de que falo a respeito, nosso fato incontestável de
estarmos vivos e, somente com isso, sermos capazes de influenciar o mundo ao redor, produzi-lo, reproduzi-lo, modificá-lo, inventá-lo. Quer queira ou não, a presença do homem já é um acorde.
E mesmo que o nada circunscreva o ser, afogando-o na agonia do silêncio, ele ainda possui os olhos, as mãos, os pés e o caminho a sua frente. O que fará ele com tais ferramentas?
Desgarrar-se da interrogação, e agir sob a força da exclamação: !
Marcará o mundo com seu silêncio ou grito; derrubará governos ou não; lutará em interesses anarquistas ou não; se revoltará contra o sistema ou não; constituirá família ou será contra ela; fará guerras ou não; matará em nome de um ideal ou não. Tudo são músicas, enlevos e declives sonoros enquanto ele estiver apto a praticar a cosmogonia com seu corpo.
A música urbana é o espaço entre o nada inicial e o nada final. Do silêncio vieste e do silêncio retornarás, não?
Felicidade, senhoras e senhores, não é a bebida dos fracos, como o Super-Herói pensou. Ser feliz é a
ambrosia dos fortes: viver sob o medo da felicidade.
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Mas o Super-Herói ainda questiona: o que me impulsiona e me adianta o "sim" da vida? O que me convida a ouvir e reproduzir a música urbana?
Se tamanha resposta acima não pode incentivar o raciocínio afirmativo da vida, é porque a experiência ainda não o tocou. O estado de religação força a nossa quebra da utilidade: a pergunta "pra quê encontrar nosso ápice" não encontra terreno fértil.
Apenas o gozo da dança e o coração a sentir é que respondem o porquê de levarmos a cabo o grande sim da vida.
Seria a felicidade um bom motivo para viver? Talvez.
O principal da música urbana é a melodia: enquanto o homem senti-la, irá, em certos momentos, abandonar o grande silêncio, o grande nada, a grande interrogação, a necessidade das respostas.
O que esta música canta?
Canta o que te vibra, ser.
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