sábado, 14 de fevereiro de 2015

Amor em Outra Língua

O bigode de doutor Brownie entendia a língua que falava o botão do sapato de Lilian.
Foi amor a primeira esquisitice.
O bigode-paspalho, abestalhado e tonto olhava de quina a graciosidade esferoide do botão rosa do sapato roxo. Acaso por acaso, infelicidade por infortúnio e clichê por clichê, era mais um desses amores impossíveis. Como poderiam dois seres distintos, diferentes assim, viverem uma paixão dessas? Um bigode fofo, de tom preto botina poderia mandar poesias para um botão rosa, meio torto e sonolento, de um sapato roxo? Deus, que agonia!
Eis que o motorista dá uma brequada, e doutor Brownie — por descuido — solta-se do apoio do ônibus, e vai direto ao chão, esbarrando o rosto em um sapato roxo, que curiosamente tinha um botão rosa, torto e sonolento. O impacto foi forte, e o bigode estalou um beijo surpresa na recém descoberta paixão.
Doutor Brownie, meio desconcertado, levanta-se e pede desculpas à moça Lilian.
Ele desce no ponto morrendo de vergonha e prometendo a si mesmo nunca dar outro vexame destes.
Mas em algum lugar do corpo sentia-se realizado, feliz que nem criança quando ganha bala. Em algum lugar do corpo podia sentir cheiro de beijo e gosto de macaxeira. Seu bigode dormiu feliz.

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