quinta-feira, 12 de fevereiro de 2015

O Nada

O Velho Homem Triste, de Van Gogh

Do silêncio vieste, do silêncio retornarás. Esta é a lei encoberta por todos, ignorada e pintada pela música urbana.
Entre um projeto e outro, entre uma aquisição e outra, beijo, estalo, vitória ou derrota, o nada cresce, surgindo em frente aos nossos olhos. Seu desconforto causado é logo tampado pela melodia da atividade. Mas sempre, sempre, ele estará ao nosso lado, ao lado do livro, da morte, do nascimento e do sexo, esperando o momento para se apossar de nossa mente, e suscitar a suprema angústia.
Chamo este componente inexorável da vida de "O Dia de Amanhã do Super-Herói". Imaginem que este ser realizou a proeza de salvar o mundo de um cataclismo, protegendo todas as almas indefesas com seus músculos de ferro. Consumado o ato, ele comemora sua vitória. O planeta inteiro agradece, condecorações surgem e estátuas são erigidas em sua homenagem.
Pergunto, então, o que fará o Super-Herói após ter atingido seu ápice. A interrogação é mais crua do que se pensa: acordará cansado, relembrará a glória e sorrirá satisfeito. Mas e agora?
Agora o que se apossa dele é o nada, eterno nada. O mundo mantém sua atividade e a vida tragicamente segue sem explicações. 
Como? Não salvara o mundo? Não surpreendera a todos? Não utilizara todo seu esforço, máximo esforço, suprema força de vontade? Por que diabos a vida seguiria, então?
Neste momento, o Super-Herói olha fixamente para o teto, incrédulo com esta trapaça da existência. Seu estômago dói de fome, mas recusa-se a se alimentar. A dignidade interrompe qualquer pequenez do dia a dia. 
Como poderia ele tomar banho, escovar os dentes, bater o carro, salvar mais inocentes — quiçá o mundo novamente — sem que a conta não tenha fechado?
Ele exige recompensas, e não a fome. Ele ordena que algo lhe diga o porquê de sua existência, o porquê da vida, o porquê de impedir o planeta de mais uma catástrofe.
Agora se despe de sua capa e chora como um humano, pois percebe o que assim o constitui: o invencível, indestrutível, o imenso, o gigantesco nada universal.
Do silêncio vieste e do silêncio retornarás. Basta agora que olhemos a janela desconectada com o mundo, observando a piscina distante do mosaico da compreensão. E o nosso dia de amanhã?
Há quem supere esta amorfa realidade, servindo-se da utopia, o sonho que não deve parar de ser perseguido com ganas. Mas a questão é outra: e quando nos realizamos?
Existe, de fato, satisfação?
Penso que pouco posso falar com 17 anos, idade de improvável completude e improváveis supremas realizações. E muito menos de sentir angústia da insatisfação do que não foi feito.
Ainda planto, e lá mais adiante, colherei. Que a crise da meia idade venha, mas em tempo certo, pelo menos.
Infelizmente o nada me atraiu, e me persegue com seu imenso mistério da verdade.
Este é o nada: silêncio embaraçoso. Fazer o bem a vida inteira e de repente falecer por um raio ou batida de carro. Inacreditável, não? É o nada.
Entrar numa padaria e encontrar o amor da sua vida. Mas desistir dele porque amor à primeira vista também acontece outras vezes. É o nada.
Ver em sua frente seu filho recém-nascido, e nunca amá-lo durante a vida inteira. O nada novamente.
Entenderam a profunda desconexão que ele sugere? É a quebra total da simetria e de ligações com a realidade exterior. Esfacelação da sincronia, da moral, do curso óbvio que o rio segue. O dinheiro do tráfico que vai para a caridade. O incomensurável amor de Hitler por cachorros. 
Senhoras e senhores, este é o silêncio: terceirizar o ser e colocá-lo diante do mundo, não mais existindo como pertencente a ele. Somos jogados para fora da teia mundana ao questionarmos a própria.
O nada causa ansiedade, medo, tensão, esvaziamento da vontade de vida, completa ausência de seu sentido.
Mas a vida não é feita somente deste silêncio absurdo: amanhã tratarei de seu complemento, que é a música urbana.





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